Sem pagar impostos e explorando trabalho semi-escravo, uma fábrica clandestina de cigarros funcionou durante meses nas cercanias de São Sepé, cidade da região central do Rio Grande do Sul. A indústria, que se dedica a falsificar marcas paraguaias, foi fechada na manhã desta quinta-feira (19) pelas polícias Civil e Rodoviária Federal.
A empresa pirata funcionava em um antigo engenho de beneficiamento de arroz, às margens da BR-392.
A ação foi desencadeada pela Delegacia de Polícia de Proteção ao Consumidor (Decon), da Polícia Civil. A existência da fábrica clandestina foi rastreada pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI), que há mais de 45 dias recebeu informações que possibilitaram a localização da indústria cigarreira.
O repasse das informações propiciou que a Polícia Civil desencadeasse a Operação Boletim de Ocorrência, que resultou na prisão de 17 pessoas nesta manhã. Desses, mais da metade são paraguaios, trazidos de seu país para um trabalho estafante e do qual não têm permissão para sair.
Em troca de informações com o GDI, os estrangeiros revelaram que são obrigados a viajar encapuçados durante a noite, no deslocamento para a fábrica, para que não possam ter noção de onde a empresa está localizada. É um procedimento de segurança dos piratas, que viola direitos trabalhistas básicos. Eles tampouco têm permissão para sair da propriedade rural onde está localizada a indústria clandestina. Vivem ali mesmo, próximo às máquinas, num galpão que conta com cozinha e dormitório (por vezes dormem em colchões no chão).
Os estrangeiros sabem que irão trabalhar em algo clandestino, mas as condições são muito mais duras do que imaginam. E há o fato de que não podem simplesmente abandonar o serviço e ir embora, como numa relação normal de trabalho.
A operação da Decon foi encabeçada pelo delegado Joel Wagner. O gerente da fábrica é um paraguaio que arregimenta a mão-de-obra clandestina em seu país para atuar no Brasil. Ele é procurado pela Justiça paraguaia e já implementou fábricas piratas de cigarro em vários municípios brasileiros.
Foi esse paraguaio quem trouxe para a propriedade rural em São Sepé a máquina de industrialização do tabaco, capaz de produzir 1,2 mil cigarros por minuto, cerca de 2,6 milhões de maços ao mês. Isso equivale a 10% do que produz uma das mais modernas fábricas da Souza Cruz, a gigante multinacional fumageira.
O cigarro fabricado nessa indústria clandestina de São Sepé é o 51, um dos mais populares no Paraguai e no Brasil. Ao preço de R$ 3 por maço (bem abaixo do custo normal), a estimativa é de que em um mês de funcionamento esse tipo de fábrica propicie R$ 8 milhões, de forma ilegal, aos criminosos.
A confirmação do local onde funcionava a fábrica veio após semanas de trocas de informações do GDI com pessoas ligadas à fabricação pirata de cigarros. As dicas foram repassadas à Polícia Civil, que montou um esquema de vigilância junto à indústria clandestina, situada a dois quilômetros do núcleo urbano de São Sepé. Os policiais, camuflados, se esconderam num mato junto à empresa e observaram a rotina dos paraguaios.
Um vigia guarnecia a parte frontal do armazém onde estava situada a maquinaria. Vez que outra, caminhava até a cerca da propriedade, situada num mato junto à rodovia, para cuidar a presença de estranhos.
Os policiais conseguiram filmar a aproximação de caminhões, que chegaram na fábrica à noite, com luzes apagadas e também deixaram a propriedade com luzes apagadas. Um procedimento de quem não quer chamar a atenção e com fortes indicativos de ilegalidade.
Um dos caminhões, um Mercedes-Benz modelo 2013, foi seguido pelos policiais. Ele está em nome de uma pessoa que vive na Serra gaúcha.
A Decon agiu com base em mandados de busca e apreensão requisitados pelo promotor Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre. Os mandados foram emitidos concedidos pela Justiça.
A operação só aconteceu nesta quinta-feira porque a organização criminosa planejava desmontar a fábrica e sair do Brasil no dia 23. Quando há risco de fuga ou para a sociedade, operações estão mantidas, apesar da epidemia de coronavírus.