Política

Alexandre de Moraes quer calar juízes nas redes sociais

Juízes correm risco de perder um direito fundamental do cidadão: a liberdade de expressão. Restrições não se aplicam aos ministros do STF.

Por Gazeta do Povo Publicado em 03/12/2022 20:44 - Atualizado em 31/07/2024 09:20

O ministro Alexandre de Moraes passou a liderar, no Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa de limites mais rígidos do que prevê a lei a manifestações de juízes nas redes sociais. Na semana passada, a Corte começou a julgar a constitucionalidade de uma resolução, editada em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que restringe a liberdade de expressão dos magistrados na internet. Moraes foi o primeiro a votar pela manutenção da norma.

Estava em julgamento ações da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) que pedem ao STF para derrubar a resolução, criada no âmbito do CNJ quando o ministro Dias Toffoli presidia o órgão. Na época, boa parte da classe se opôs, por considerar que a medida, imposta por um órgão administrativo e composto em boa parte por conselheiros que não são juízes, representava uma “lei da mordaça”.

No julgamento, realizado em sessão virtual, Moraes votou pela manutenção da resolução e foi seguido por Toffoli, Edson Fachin e Rosa Weber. Kassio Marques paralisou a votação para levar o julgamento para uma sessão presencial, para discutir a questão oralmente no plenário.

No processo, o primeiro argumento das associações é que a resolução faz “recomendações” e “vedações” que não estão previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a Loman. Enquanto ela diz que o magistrado perderá o cargo caso exerça atividade político-partidária, proibição expressa também na Constituição, a resolução vai além, ao vedar juízes de “emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos”.

Para a AMB, trata-se de uma excessiva restrição à liberdade de expressão. “Qual o problema de um magistrado emitir uma opinião político-partidária, se a vedação constitucional está vinculada ao verbo ‘dedicar-se’, que jamais poderia ser comparada com a simples emissão de uma opinião? E qual o problema de um magistrado manifestar-se favoravelmente ou criticamente a determinado candidato, partido político ou liderança política? Salvo melhor juízo não há qualquer problema. Não pode estar vedada a veiculação de sua opinião a respeito de determinado candidato, liderança política ou partido-político em redes sociais”, disse.

A Ajufe argumentou de modo semelhante. “Os magistrados são, antes de tudo, cidadãos, não podendo lhes ser negado um direito fundamental. Ora, a premissa estabelecida na própria exposição de motivos da Resolução é a de que “o juiz não é um cidadão comum”. Mas isso não significa que pode ser afastado direito fundamental garantido a todos os cidadãos. Privar os Juízes do direito à liberdade de expressão é relegá-los a uma condição inferior, como se fossem cidadãos menos qualificados”, afirmou a associação na ação.

Relator das ações, Alexandre de Moraes votou pela restrição ao direito à livre expressão dos magistrados. Argumentou que eventual permissão para que opinassem em questões políticas retiraria deles a imparcialidade para julgar processos. “A liberdade de expressão, em ambos os aspectos, é um princípio fundamental caro a uma democracia, embora possa sofrer certas limitações quando confrontado com outros preceitos constitucionais de igual hierarquia. Ou seja, o princípio da liberdade de expressão não é um direito absoluto. Prevalece, na espécie, a necessidade de manutenção da autoridade, imparcialidade e transparência do Poder Judiciário, transparecendo a legítima confiança esperada pela sociedade”, afirmou.

Restrições não se aplicam aos ministros do STF

Além da proibição de emitir opiniões políticas, a resolução do CNJ ainda recomenda uma série de condutas aos magistrados no uso das redes que limitam o conteúdo de suas manifestações. Diz, por exemplo, que eles devem “observar que a moderação, o decoro e a conduta respeitosa devem orientar todas as formas de atuação nas redes sociais”. Outra regra diz que eles devem “evitar expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do magistrado ou que possam afetar a confiança do público no Poder Judiciário”.

Além disso, devem evitar manifestações de autopromoção ou superexposição; conteúdo impróprio ou inadequado que possa repercutir negativamente ou atente contra a moralidade administrativa; observar sempre a prudência da linguagem; evitar a propagação de “fake news”, ao compartilhar conteúdo ou apoiá-lo sem convicção sobre sua veracidade; assim como “evitar expressar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstratos que, mesmo eventualmente, possam ser de sua atribuição ou competência jurisdicional – essa última regra não vale para manifestações em obras acadêmicas.

Assim como outras regras impostas pelo CNJ, essas também não são impositivas para ministros do próprio STF, que não podem ser julgados pelo órgão. Uma breve visita aos perfis dos daqueles mais atuantes nas redes sociais mostra isso.

No último dia 14 de novembro, quando milhares de pessoas se manifestavam em frente aos quartéis do Exército contra a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Moraes escreveu que os “extremistas antidemocráticos merecem e terão a aplicação da lei penal”. Além de presidente do TSE, o ministro é relator de inquéritos no STF que investigam os atos.

No dia 26, ao comentar a invasão de duas escolas de Aracruz (ES) por um adolescente armado que matou quatro pessoas e deixou 13 feridas, Gilmar Mendes disse que era uma consequência “da crescente cultura de ódio no país, fomentada por políticas infundadas de armamento”. “Dar armas à população, além de não resolver os problemas de segurança pública, apenas resulta em mais mortes”, postou no Twitter.

O ministro participa de vários julgamentos, ainda inconclusos, contra decretos de Bolsonaro que flexibilizaram acesso às armas de fogo. O adolescente não tinha autorização para comprar e andar com armas, e usou uma pistola e um revólver do pai, que é policial militar – categoria que sempre teve direito à posse e ao porte.

Luís Roberto Barroso costuma usar o Twitter para postar vídeos de palestras. No dia 14, compartilhou vídeo de uma fala em Nova York em que defendia a prioridade à educação básica e criticava o movimento Escola Sem Partido e a oposição dos conservadores ao ensino da identidade de gênero em sala de aula. “Está preocupado com a assombração errada e está nos atrasando na história”, disse o ministro.

Conteúdo relacionado

Termos relacionados