Após ciclo de lucros, Correios emendam terceiro ano seguido de prejuízos
O resultado negativo acumulado de janeiro a março é maior que o prejuízo de R$ 597 milhões registrado durante todo o ano de 2023, e também superior ao dos 12 meses de 2022 (R$ 767 milhões).
Após cinco anos de resultados positivos, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está em seu terceiro ano seguido de contas no vermelho. Relatório da estatal revelou prejuízo de R$ 802 milhões no primeiro trimestre.
O resultado negativo acumulado de janeiro a março é maior que o prejuízo de R$ 597 milhões registrado durante todo o ano de 2023, e também superior ao dos 12 meses de 2022 (R$ 767 milhões). A projeção inicial da companhia era alcançar lucro de R$ 150 milhões neste ano.
A empresa atribuiu parte do prejuízo à necessidade de recompor "força e condições de trabalho", que teriam sido "precarizadas" durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Os Correios foram uma empresa lucrativa até 2013, na gestão de Dilma Rousseff (PT), quando registraram o primeiro prejuízo desde pelo menos o início do século. A perda naquele ano foi de R$ 213 milhões, seguida de outra de pouco mais de R$ 20 milhões em 2014.
Os prejuízos dispararam em seguida, somando R$ 3,5 bilhões em 2015 e 2016, alavancados por problemas de gestão, gastos com pessoal, congelamento de tarifas e pela mudança na contabilização das obrigações com o chamado benefício pós-emprego, ou seja, as despesas com planos de previdência privada.
A partir de 2017, por outro lado, os Correios emendaram cinco anos seguidos de lucro, durante as gestões de Michel Temer (MDB) e Bolsonaro. No período, os ganhos da estatal somaram quase R$ 4 bilhões.
O melhor resultado da estatal na história foi registrado em 2021, com lucro de R$ 2,3 bilhões, alcançado em meio a programas de demissão voluntária.
Na época, os funcionários somavam 115 mil em todo o país. Hoje são aproximadamente 88 mil, o que ainda mantém a estatal como uma das que mais empregam no território nacional.
O governo Bolsonaro também promoveu o enxugamento de mais de setenta benefícios extras, uma das principais medidas saneadoras para a privatização que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, pretendia emplacar.
A ideia, no entanto, sofreu resistências e provocou uma greve geral dos trabalhadores. Em 2022, último da gestão Bolsonaro, a estatal voltou ao vermelho, com prejuízo de R$ 767 milhões.
Lucros e prejuízos dos Correios desde 2013
2013: Prejuízo – R$ 213 milhões (Dilma)
2014: Prejuízo – R$ 20,3 milhões (Dilma)
2015: Prejuízo – R$ 2,1 bilhões (Dilma)
2016: Prejuízo – R$ 1,4 bilhão (Dilma/Temer)
2017: Lucro – R$ 667 milhões (Temer)
2018: Lucro – R$ 161 milhões (Temer)
2019: Lucro – R$ 102 milhões (Bolsonaro)
2020: Lucro – R$ 1,53 bilhão (Bolsonaro)
2021: Lucro – R$ 2,3 bilhões (Bolsonaro)
2022: Prejuízo – R$ 767 milhões (Bolsonaro)
2023: Prejuízo – R$ 597 milhões (Lula)
2024 (janeiro a março): Prejuízo – R$ 802 milhões (Lula)
Lula enterrou a privatização aprovada pela Câmara
Reduto tradicional de indicações políticas, os Correios tiveram seu projeto de privatização aprovado na Câmara em 2021. Seria a próxima estatal na fila de desestatizações do governo Bolsonaro, que já tinha vendido a BR Distribuidora, e em 2022 consolidou a venda da Eletrobras.
O projeto, porém, ficou estacionado no Senado. À época, alguns parlamentares admitiam, nos bastidores, que o lucro recorde alcançado em 2021 dificultava a discussão sobre a privatização.
No seu primeiro ato de governo, horas antes de subir pela terceira vez a rampa do Palácio do Planalto, o presidente Lula assinou um despacho retirando os Correios da lista de privatizações estabelecida pela gestão anterior.
A ideia do governo era montar um plano de reestruturação para fortalecer a empresa como estratégica para o país.
Em meados do ano passado, foram anunciados investimentos de R$ 350 milhões para modernizar a companhia e na construção de centros de distribuição até 2026.
“A diretoria executiva aprovou o plano estratégico da estatal com medidas a serem tomadas até 2028 para diversificar as atividades dos Correios, ampliar mercados e receitas e rentabilizar a estrutura já instalada, aumentando a eficiência e racionalizando as despesas”, disse a empresa à Gazeta do Povo.
Entre as iniciativas estão uma parceria com a Embraer, a transição energética da frota de veículos da empresa e a elaboração de um plano de demissão incentivada.
Está prevista para setembro a realização de concursos para novos servidores. Além disso, há planos para voltar a reajustar os salários acima da inflação e recompor benefícios cortados na gestão anterior. Tudo isso vai elevar as despesas de pessoal da estatal.
Parte do prejuízo do primeiro trimestre se deve, segundo a empresa, ao “aumento de despesas com pessoal e estrutura, em virtude da necessidade de recomposição da força e das condições de trabalho, que foram precarizadas pelo governo anterior, durante o processo de privatização dos Correios”.
A estatal afirma que tem reservas em caixa e não precisa de aportes do governo federal. O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, declarou suas prioridades em entrevista há dois meses.
“Não sei se a nossa missão é ter lucros, mas é estar em todos os locais e atender bem a população”, disse o executivo à revista Veja. “O nosso grande objetivo é fazer isso de forma sustentável, com as despesas e receitas em equilíbrio. Se fosse só para ter lucro, fecharíamos várias agências e pronto.”
Correios terão de fazer aporte de R$ 7,6 bilhões no fundo de pensão
Santos, indicado no início do ano passado por Lula, é especializado em previdência e foi advogado do Postalis, que voltou ao noticiário na semana passada por conta do contrato firmado com a estatal.
Pelo acordo, os Correios, como empresa patrocinadora do fundo de pensão dos funcionários, deverão pagar R$ 7,6 bilhões para cobrir o rombo do plano de aposentadoria.
É um valor expressivo, considerando a situação da empresa e poderá impactar os próximos balanços.
A principal causa dos prejuízos do Postalis foram investimentos realizados entre 2011 e 2016, no governo da ex-presidente Dilma.
Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que entre os investimentos deficitários estão títulos da dívida pública da Venezuela e da Argentina, adquiridos por meio de um fundo do qual o Postalis era cotista, administrado pelo banco BNY Mellon.
O valor total do passivo é de R$ 15 bilhões. A outra metade será paga por trabalhadores, aposentados e pensionistas da estatal.
O presidente dos Correios negou conflito de interesses porque não atua mais nas ações como representante do fundo de pensão.
Em nota pública sobre o tema, os Correios disseram que vêm “trabalhando para reduzir o déficit que foi causado, em grande parte, pelo governo anterior [Jair Bolsonaro], por conta de decisões ruins tomadas no processo de privatização da estatal”.
Concorrência e prejuízos reavivam debates sobre privatização dos Correios
Os resultados da estatal não têm contribuído para blindá-la dos discursos pela privatização. Mesmo considerando uma gestão eficiente e isenta de interesses políticos – o que foi tentado com a Lei das Estatais, depois desconfigurada –, dificilmente os Correios voltarão a ter o protagonismo já vivenciado no mercado de entregas.
A empresa ainda detém o monopólio das correspondências tradicionais, como cartas e boletos, mas o volume é cada dia menor. Segundo os Correios, R$ 150 milhões do prejuízo do primeiro trimestre se deram por conta de redução do volume de encomendas internacionais e do volume de mensagens.
Por outro lado, na rubrica de entregas, que cresce exponencialmente via comércio eletrônico, a estatal enfrenta a concorrência acirrada de companhias privadas.
Grandes varejistas que costumavam usar os serviços de Sedex, como Mercado Livre, Amazon e Magazine Luiza, hoje têm seus próprios ecossistemas logísticos, dinâmicos, eficientes e atentos às necessidades do consumidor, que quer entregas mais rápidas e com preços acessíveis – ou mesmo com frete grátis.
Questionada sobre a concorrência, a ECT afirma que a atual diretoria herdou do governo anterior uma política comercial que fazia a empresa perder receita. “A atual gestão reformulou essa política e as mudanças entraram em vigor no fim de julho. Com a mudança, os Correios poderão ter equilíbrio da oferta comercial, além de oferecer melhores condições para clientes de varejo”, diz a assessoria de imprensa.
Além disso, a empresa volta a apostar em patrocínio e publicidade, além de lançamentos de negócios nos segmentos de comércio eletrônico (como o marketplace).
Também espera contar com a ajuda do decreto de Lula que definiu que os órgãos da administração pública federal devem preferencialmente contratar diretamente os Correios para a prestação de serviços postais concorrenciais.