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Decisão de Moraes sobre aborto viola autonomia do CFM e julgamento do STF, dizem juristas
A pedido do partido político PSOL, Moraes concedeu uma liminar para suspender a resolução do CFM que impedia o uso da assistolia fetal, método utilizado para o aborto após 22 semanas de gestação.
A União Brasileira de Juristas Católicos (Ubrajuc) disse que a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que derrubou a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) contra o aborto, viola a autonomia do Conselho e fere entendimento do próprio STF.
Na sexta-feira (17), em atendimento a um pedido do PSOL, Moraes concedeu uma liminar para suspender a resolução do CFM que impedia o uso da assistolia fetal, método utilizado para o aborto após 22 semanas de gestação.
O CFM proibiu o procedimento por ser doloroso e desnecessário, já que bebês com mais de cinco meses podem sobreviver fora do útero e seria possível fazer o parto prematuro. Além disso, com a assistolia, a mulher não deixa de passar por uma espécie de parto do feto morto.
O PSOL contesta os médicos e alega que a proibição da assistolia dificulta o “aborto legal” em casos de estupro. O aborto é crime no Brasil, não punido quando a gestação decorre de violência sexual, existe risco de vida para a mãe e em casos de anencefalia.
É quase impossível provar clinicamente o abuso sexual depois de poucas semanas de gravidez. Mesmo assim, mulheres com mais de 5 meses de gestação têm procurado hospitais para exigir o uso da assistolia fetal.
No domingo (18), a Ubrajuc emitiu duas notas sobre a decisão de Moraes que beneficiou o pedido do PSOL, uma nota foi direcionada à imprensa e a outra foi endereçada à comunidade jurídica.
Nas notas, a entidade lembra que o regime jurídico do CFM é semelhante às normas que regem agências como Anatel, ANS, ANEEL e outras. A Ubrajuc ainda destaca que o Tribunal de Contas da União (TCU) já reconheceu a equivalência entre os regimes jurídicos.
Em seguida, a entidade cita o julgamento de um Recurso Extraordinário (RE) no STF, que teve Moraes como relator, em que a Corte “proclamou a autonomia das agências reguladoras na definição das regras disciplinadoras do setor regulado, observados os limites da lei de regência, ante a complexidade técnica dos temas envolvidos que exigem conhecimento especializado e qualificado acerca da matéria objeto da regulação”.
Além disso, a Ubrajuc diz que a resolução do CFM trata de um assunto de alta complexidade médica; foi produzida após processo administrativo e; é acompanhada de “detalhada exposição de motivos”.
“Em dissonância com a jurisprudência da Corte Constitucional e da fundamentação do julgado de sua própria lavra, o ministro Alexandre de Moraes emitiu medida cautelar antes mesmo de ouvir o CFM. Pela fundamentação da medida, fica nítido que a intenção do autor da ação (PSOL), encampado pelo ministro relator, é justamente rever o mérito da resolução em comento, o aspecto técnico da ética médica, visto que alega que o Conselho Federal de Medicina aparentemente se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional. Parece-nos que a definição de padrões éticos da medicina é atribuição do CFM e, salvo um vício procedimental, não deve ser revisto pelo Poder Judiciário sob pena de ‘ofensa à separação de poderes’, nas palavras do próprio STF”, diz um trecho da nota da Ubrajuc endereçada à comunidade jurídica.
Em outro trecho, a entidade diz que o STF só poderia conceder medida liminar ou cautelar, como prevê a Lei 9.882/99, por maioria absoluta dos seus membros e não por meio de uma decisão monocrática.
"A presunção de legitimidade e legalidade dos atos administrativos, bem como o costume recente do STF em determinar prazos curtos para a apresentação de esclarecimentos em casos urgentes, levanta ainda mais dúvidas quanto à decisão em comento e a pertinência da concessão de uma medida cautelar", diz outro trecho da nota.
Moraes deu prazo de 10 dias para o CFM se manifestar sobre um pedido de informações. Depois, a Advocacia Geral da União (AGU) e a Procuradoria Geral da República (PGR) terão um prazo de cinco dias para se manifestar sobre a controvérsia.