Saúde
Dengue: temporada do mosquito começa com avanços no combate à doença
No Brasil, a dengue é prevalente na faixa etária de 20 a 59 anos, mas o risco para casos graves é maior em crianças e idosos.
A temporada de calor e chuvas fortes está de volta e, com ela, uma companhia famosa e indesejada dessa época do ano: o mosquito. O aumento de casos de dengue – 180,5% até meados de novembro, em comparação com o mesmo período do ano passado – e de mortes pela doença – um recorde desde 2015 –acende um alerta entre especialistas, que ressaltam a importância de reforçar medidas de combate nem sempre seguidas pela população.
Em paralelo, outras ações avançam, como o desenvolvimento de vacinas e a liberação de mosquitos que ajudam a reduzir a população de aedes aegypti, principal vetor urbano de dengue, zika e chicungunha.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está em fase final de análise do imunizante contra a dengue da farmacêutica japonesa Takeda. A expectativa é que ela chegue ao mercado já em 2023. Nomeada provisoriamente como TAK-003, a nova vacina é tetravalente, o que significa que atua sobre os quatro sorotipos do vírus da dengue.
Trata-se de uma vacina de vírus atenuado, aplicada em duas doses, desenvolvida com tecnologia do Centro de Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e feita com base na estrutura genética do sorotipo 2 (DENV-2).
Segundo a pediatra Vivian Lee, diretora de Medical Affairs da Takeda no Brasil, os estudos foram feitos ao longo de quatro anos e meio, em mais de 20 mil crianças e adultos em 13 países endêmicos da Ásia e América Latina. Os resultados indicam que a vacina TAK-003 previne 84% das hospitalizações causadas pela doença e evita 61% dos casos de dengue sintomática.
“Há grande potencial de proteção da população a longo prazo, ao lado do combate ao mosquito”, afirma Lee.
No Brasil, a dengue é prevalente na faixa etária de 20 a 59 anos, mas o risco para casos graves é maior em crianças e idosos. Dados do Ministério da Saúde mostram que 968 pessoas morreram vítimas da doença este ano, até o último dia 12. O número de casos supera 1,37 milhão, o que representa 87,3% dos registros da doença nas Américas, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
“A vacina é a solução para o controle da doença. Controlar o mosquito num país como o nosso, com falta de saneamento básico, com lixões e esgoto a céu aberto, não é fácil”, afirma Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim).
O Instituto Butantan também realiza estudos clínicos de desenvolvimento de uma vacina contra a dengue que seria aplicada em dose única. O estudo com 17 mil pacientes voluntários está em fase 3, que avalia eficácia. A previsão é que as análises sejam concluídas e submetidas à Anvisa até meados de 2024, mas resultados preliminares devem ser liberados já nos próximos dias.
“Já sabemos, pelas fases anteriores, que a vacina induz a produção de anticorpos. Agora precisamos entender o quanto esses anticorpos efetivamente protegem contra a doença e previnem hospitalizações e óbitos”, afirma Fernanda Boulos, diretora de Ensaios Clínicos do Butantan.
O desafio inicial do projeto, conta, foi encontrar um número grande de voluntários, de diferentes faixas etárias, inclusive pediátrica. A esse se somou o de testar uma vacina contra os quatro sorotipos da dengue – os tipos 3 e 4 circulam pouco no Brasil. E a redução de casos de dengue em anos anteriores, curiosamente, forçou uma pausa.
“Para os estudos de eficácia, precisávamos ter casos. Senão, não conseguiríamos demonstrar se (a eficácia) era pela vacina ou porque o vírus tinha parado de circular”, lembra. “Nossa expectativa é bastante alta sobre os resultados preliminares.”
O instituto também pesquisa uma vacina de vírus atenuado contra chicungunha, em parceria com a farmacêutica Valneva Áustria GmbH, e que está em fase 3 de ensaios clínicos.
Barreiras e tecnologia
Há mais de 25 anos se estudam protótipos de vacina contra a dengue, mas o desenvolvimento esbarra em obstáculos como o da necessidade de prevenir contaminação por quatro sorotipos diferentes. Outro é a ampliação do público-alvo: a vacina já existente, da farmacêutica Sanofi, é recomendada apenas para pessoas que já tenham sido infectadas anteriormente pelo vírus. O imunizante foi licenciado no Brasil em 2015, com esquema em três doses.
Sem a disponibilidade imediata da vacina pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), a principal forma de controle da doença segue sendo o combate ao mosquito Aedes Aegypti.
Na semana passada, pesquisadores da Fiocruz e da iniciativa internacional World Mosquito Program (WMP) iniciaram em Niterói novas liberações de mosquitos com a bactéria Wolbachia. O projeto começou em 2015, e a expectativa é que, com a finalização em mais bairros da cidade, ela se torne a primeira do Sudeste com 100% de cobertura pela Wolbachia.
Presente naturalmente em 50% dos insetos – mas não no aedes aegypti –, a Wolbachia impede que os vírus da dengue, zika, chicungunha e febre amarela urbana se desenvolvam dentro do mosquito. Ao se reproduzirem com aedes locais, os mosquitos com Wolbachia estabelecem uma nova população.
Dados de 2021 indicam diminuição de 70% dos casos de dengue, 60% de chicungunha e 40% de zika nas áreas onde houve a intervenção. O projeto também acontece em Belo Horizonte (MG), Petrolina (PE) e Campo Grande (MS).
Já em São Paulo, o braço brasileiro da empresa britânica Oxitec aposta em mosquitos geneticamente modificados para reduzir a população de aedes aegypti. As novas liberações começaram em outubro, em Indaiatuba, no interior do estado, onde foi feito o projeto piloto. Este ano, pela primeira vez, a tecnologia chegará a todos os Estados brasileiros.