Segurança

Para o MP, série da Netflix sobre incêndio da Boate Kiss, pode desinformar opinião pública

Manifestação ocorre após um grupo de familiares das vitimas declarar que pretende processar a marca por exploração financeira da tragédia.

Por Rádio Guaiba Publicado em 31/01/2023 21:37 - Atualizado em 03/06/2024 11:44

O Ministério Público do Rio Grande do Sul manifestou apoio, nesta terça-feira, aos familiares das vítimas e aos sobreviventes do incêndio da Boate Kiss em uma nota sobre a série ‘Todo dia a mesma noite’, produção ficcional do Netflix sobre a tragédia que vitimou 242 pessoas, em janeiro de 2013, em Santa Maria. 

Em um comunicado, a instituição avalia que a produção retrata personagens e o sistema judicial ‘de forma caricaturada’, contribuindo “para a desinformação e para a criação de uma memória coletiva contaminada por versões e por fatos que não ocorreram como apresentados”. O MP também considera que a série explora, “para o entretenimento, a dor de centenas de famílias”, e adverte que a produção “expõe uma versão para a opinião pública de um caso ainda em tramitação”, que pode, inclusive ser objeto de um novo júri popular.

A nota vem a público após um grupo de parentes das vítimas declarar que pretende processar a marca por exploração financeira da tragédia. Baseada no livro homônimo da jornalista Daniela Arbex, a série do Netflix retrata, em formato de encenação, o incêndio ocorrido dez anos atrás. No início da semana, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) negou que, como entidade, também pretenda recorrer à Justiça, dizendo se sentir representada pela obra e defendendo a “potência das produções na luta por justiça e memória”.

Também no documento divulgado nesta terça, o MP reitera que vai insistir na condenação dos quatro homens apontados como responsáveis pela autoria da tragédia. Após ficarem cerca de oito meses presos, eles foram soltos após a Justiça determinar a anulação do julgamento, no ano passado.

Leia na integra a nota do MP:

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, considerando o interesse público e a realidade dos fatos envolvendo um caso ainda sub judice, vem a público manifestar-se sobre a série intitulada “Todo dia a mesma noite”, produzida e veiculada pela empresa Netflix.

Mesmo cientes de que se trata de uma ficção, é nossa obrigação, como instituição pública, fazer alguns esclarecimentos. Ao apresentar tanto personagens quanto o Sistema de Justiça, seus ritos e regramentos de forma caricaturada em muitos momentos, a obra contribui para a desinformação e para a criação de uma memória coletiva contaminada por versões e por fatos que não ocorreram como apresentados. Além disso, a série explora, para o entretenimento, a dor de centenas de famílias, ainda enlutadas, que aguardam, em longa espera, a punição dos culpados.

E o mais grave, a produção do canal de streaming expõe uma versão para a opinião pública de um caso ainda em tramitação, que poderá ser objeto de novo júri popular, possibilidade que a instituição luta com muito empenho para afastar. O MPRS vem travando uma longa e árdua batalha para garantir a pronúncia dos quatro réus – responsáveis diretamente pelos homicídios –, a posterior condenação, ocorrida em julgamento realizado em dezembro de 2021 e, atualmente, a reversão da anulação do júri por meio de recursos aos Tribunais Superiores.

Vale lembrar que, desde o início, a instituição vem atuando não só para a condenação, mas para garantir a prisão dos culpados. Além de presos preventivamente por aproximadamente três meses em 2013, foi a partir de recurso do MPRS apresentado ao Supremo Tribunal Federal que os quatro réus voltaram para prisão em 2022 e lá ficaram por cerca de oito meses, cumprindo pena resultante de suas condenações pelo Tribunal do Júri, até a soltura determinada pela Justiça a partir da anulação do julgamento.

Também oportuno destacar que, além dos denunciados por homicídio, outras 47 pessoas foram alvo de ações do Ministério Público, na medida de suas responsabilidades, nas áreas criminal e cível, na Justiça comum e militar. Concluímos manifestando nossa solidariedade aos familiares e sobreviventes da tragédia e reiteramos nossa disposição e empenho para seguir lutando, o quanto for necessário, para que a justiça seja feita.


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