Rio Grande do Sul

Onde vigora a verdade, o povo é livre

Por Ângela Cristina da Rocha Dill - Advogada

Por Angela Cristina Rocha Dill Publicado em 30/07/2021 17:07 - Atualizado em 03/06/2024 10:03

Há coisas que nunca saem de moda. Ainda bem. Uma delas é a verdade. Buscá-la, defendê-la ou restabelecê-la é sinal de virtude. Desde os tempos gregos. Quem desdenha da verdade joga no mesmo time daqueles que sustentavam que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. E a história da humanidade já demonstrou que, onde vigora a verdade, o povo é livre. Onde falta, o povo é escravo. Pouco importa se a verdade brote de uma obsoleta máquina de escrever.

Então, para aqueles que cultuam a verdade (há quem prefira defender a mentira!), vamos aos fatos. Não é verdade que a tese do voto auditável seja invenção do Senhor Presidente da República. Desde 2002 o tema é debatido. A Lei Nº 10.408/02, sancionada, na época, pelo queridinho da “intelectualidade” de esquerda, Presidente Fernando Henrique Cardoso, previa que a urna eletrônica deveria permitir a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, para conferência do eleitor (artigo 59, §4º, da Lei Nº 10.408/02).

Em 2015, a senhora Presidente da República Dilma Rousseff (vejam só!), promulgou a Lei nº 13.165/2015) que tornava obrigatória a impressão do voto na urna eletrônica. Por uma esmagadora maioria de 368 votos favoráveis obtidos na Câmara dos Deputados e 56 votos favoráveis obtidos no Senado Federal, a lei seria aprovada e promulgada. Ou seja, o Congresso Nacional, quase à unanimidade, na condição de legítimos representantes do povo brasileiro, queriam o voto impresso e auditável. Do Deputado Federal Jair Bolsonaro até a bancada inteira do PT e do PSOL, do “centrão” até comunistas de carteirinha, de prontuários ambulantes como Omar Aziz e Renan Calheiros, até os mais honestos parlamentares, defendia-se a tese do voto auditável.

Atualmente, tramita a Proposta de Emenda Constitucional Nº 135/19, de autoria da Deputada Federal Bia Kicis, a qual prevê que é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria” (PEC nº 135/19 que inclui o §12 no artigo 14 da Constituição Federal).

Portanto, não é verdade que o voto auditável seja ato de vontade do Senhor Presidente da República. Até poderia sê-lo. Bastaria invocar o artigo 60, II, da Constituição Federal, e enviar seu desejo, em forma de Proposta de Emenda Constitucional, ao Congresso Nacional para o devido debate. Não vivemos no tempo do Império, onde a vontade do Imperador era soberana. O salutar debate democrático, na esfera legislativa, é que irá definir a questão. Não a vontade de um ou de outro.

Perceba, no entanto, prezado leitor e eleitor: não parece estranho que uma proposta, até ontem defendida com unhas e dentes por todo o espectro político brasileiro, de fácil aprovação no Congresso Nacional, seja considerada hoje um capricho do Senhor Presidente da República? O que teria mudado? Ora, “qualquer pessoa de mediano conhecimento”, como sustentado por um dos detratores da máquina de datilografia, sabe. O STF nunca concordou com o voto auditável. Já declarou a lei anterior inconstitucional e, provavelmente, o fará de novo. Dane-se a vontade do eleitor e de seus representantes democraticamente eleitos! O descaramento chegou a tal ponto, que os senhores Ministros do STF desceram do Olimpo onde acreditam que moram, calçaram as sandálias da arrogância e partiram para o combate corpo a corpo com os congressistas. Não por acaso, a aprovação da PEC, que antes era dada como favas contadas, após a indevida intromissão dos Ministros do STF, corre o risco de não ser aprovada. Em qualquer país decente do mundo, intromissão dessa natureza já seria caso de exoneração compulsória do magistrado. Mas quem liga para a vontade popular? Vale a vontade dos donos do poder.

Por outro lado, gostaria que fossem demonstradas quais as “grosseiras ameaças” praticadas pelo Senhor Presidente da República contra quem condena o voto auditável. Sim, porque seria fácil demonstrar. Atualmente, existem apenas onze pessoas neste país que são contra a possibilidade de auditagem do voto. Grosseira ameaça contra a democracia é um Ministro do STF reunir-se, a portas fechadas, com congressistas, para demovê-los da ideia de acatar a vontade popular.

O eleitor não é mais bobo. Sabe o que está acontecendo e o que está por trás da celeuma. O voto auditável não servirá para o governo “justificar a eventual derrota que poderá ter nas urnas em 2022”. Nem para justificar eventual vitória. A auditagem do voto serve para garantir a vontade do eleitor. Não para garantir o sucesso ou fracasso eleitoral de situação ou oposição.

Por outro lado, uma das táticas principais de quem não tem apreço pela verdade é investir na confusão. Voto impresso não significa voto escrito. Aliás, basta ler a legislação antes referida para se entender que, em nenhum momento, pretende o legislador a volta ao voto escrito. Nada vai ser escrito. Nada vai ser manipulado. Tudo permanecerá secreto. A única diferença é que o sistema permitirá que o eleitor confira se o voto dado na máquina é o mesmo que aparecerá no comprovante físico a ser depositado na urna. Caso haja alguma divergência, o físico e o eletrônico poderão ser checados. Do jeito que é hoje, não existe possibilidade dessa conferência. O voto impresso não ficará com o eleitor, por óbvio. Mas, como se sabe, a obviedade é inimiga da verdade.

Por falar em verdade, as qualificações profissionais do Senhor Presidente da República são estritamente verdadeiras. É oficial formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, uma das mais notáveis e respeitadas instituições de ensino do Brasil. Faz parte de uma elite acadêmica de dificilíssimo acesso, cujo ingresso não se dá através de bolsas ou por cotas. É bem provável que saiba diferenciar uma máquina de escrever de um computador. Em todo caso, é bem provável também que, numa redação do ENEM, tirasse nota mais alta do que a soma das notas dos dois últimos Presidentes da República que se disseram identificados com trabalhadores.

Ora, ora, ora! O Senhor Presidente da República fala palavrões! Até que se mude a lei, o Presidente da República que fala palavrões não comete crime de responsabilidade. É certo que o linguajar utilizado deixa a desejar, se comparado à liturgia do cargo. Mas, entre um corrupto e um desbocado, o povo preferiu sacrificar as regras de etiqueta. Foi dito que o Senhor Presidente da República “nunca foi afeito ao trabalho”. Desafia-se alguém a mostrar a carteira de trabalho de alguém que se autodenomina “a alma mais honesta do país” ou daqueles que, até tempos atrás, viviam de invasões, de mortadela, ou de verbas oficiais.

É, mas com a atual situação econômica brasileira está difícil sobreviver. Bons tempos aqueles em que tínhamos crédito farto e barato, os preços dos combustíveis não subiam, o gás de cozinha e a luz eram congelados. Havia os campeões nacionais de produtividade e a economia ia tão bem que nos dávamos ao luxo de dar dinheiro e financiar países “amigos”. Se o leitor está com saudade daqueles tempos, saiba que, hoje, está pagando a conta daquela irresponsabilidade. Pior, o futuro do seu filho já está praticamente comprometido. Ou alguém tinha dúvida que tudo aquilo não passava de uma bolha de euforia, um alucinógeno distribuído à população para ganhar eleição e continuar no poder? Bem vinda à realidade, dona de casa! Bem vindo ao mercado, chefe de família desempregado! A economia não se regula por decreto. Ou se tem responsabilidade, ou se quebra. Basta ver o que está acontecendo na Argentina e na Venezuela, por exemplo.

Apesar da pandemia e dos mentirosos de plantão, a economia dá sinais tímidos de recuperação. O remédio é amargo. Mas funciona, ainda que leve algum tempo. Mas, é claro, sempre resta a alternativa de voltar ao tempo da máquina de escrever política e econômica, em que tudo era cor de rosa. O amigo leitor escolhe: tratar com responsabilidade o futuro de nossos filhos ou brincar de gente feliz no mundo encantado da fantasia. Lembre-se sempre: um dia a conta chega. Ela sempre chega. E adivinha quem vai pagá-la? E se alguém reclama que o governo está a prejudicar a “dignidade humana” do brasileiro, lembre que o governo federal, via auxílio emergencial, faz o que pode para não deixar ninguém ao desamparo; e que não irá abolir as regras da economia em troca de populismo. No mais, pergunte ao seu prefeito, ao seu governador, ou ao STF, por que razão o amigo não pode trabalhar e trazer o sustento para a sua família.

“O que teria melhorado no Brasil”, pergunta um dos arautos da modernidade. A pergunta deveria ser outra: será que estamos piores do que antes? Qualquer pessoa que tenha um mínimo de compromisso com a verdade concordará que estamos melhorando. Estamos superando uma das piores chagas de nosso país: a corrupção! Ela mata, ela compromete nosso futuro como nação. A luta está longe de acabar; mas se decidimos lutar, não podemos retroceder. Fechando a torneira da roubalheira, com bons administradores públicos, deixando o empreendedor investir e o povo trabalhar, a tendência é melhorar - mesmo que muitos torçam pelo “quanto pior, melhor”. Não há fórmula mágica. Não resolveremos todos os nossos problemas em um ou dois governos. Mas se não reconhecermos essa virtude, nunca fugiremos de nosso fracasso histórico.

Acusa-se o Senhor Presidente da República de trocar de partido. É bom sempre lembrar a respeito a lição de Winston Churchill, um dos maiores, se não o maior estadista de nosso tempo. Questionado sobre porquê trocava de partido, respondeu genialmente: “Troco de partido para não trocar de ideologia!”. Qualquer partido que defenda a pauta conservadora é bem-vindo. O senhor Presidente da República está longe de ser um estadista do naipe do político inglês. Mas é o que temos para o momento. E, até onde se sabe, trocar de partido também não é crime de responsabilidade. Crime seria, mas contra a lógica, se o Senhor Presidente da República aderisse a pautas de esquerda.

A última inverdade a ser derrubada é sobre o fundão eleitoral. Só quem não tem amor à verdade é capaz de propalar tamanha sandice. O tal “fundão”, um tapa na cara de qualquer brasileiro honesto, foi incluído, maliciosamente, na proposta de orçamento. Uma verdadeira jabuticaba inserida numa legislação que deveria ser aprovada. Ou o amigo eleitor aceitaria viver num país sem orçamento? A mais singela das famílias brasileiras não vive fora de seu orçamento. O que dirá um país!

A manobra legislativa foi tão ardilosa que foi votada às pressas, na calada da noite, sem que a proposta do fundão pudesse merecer o destaque e a votação em separado. Para surpresa de ninguém, a maldade foi executada pelo baixo clero do Parlamento brasileiro. Aquela gente pequena, que, utilizando-se de brechas regimentais, dá uma banana para o Brasil e pensa com o próprio umbigo. Mas o Senhor Presidente da República, aquele acusado de não diferenciar uma máquina de escrever de um computador, irá vetar a barbaridade, mesmo que isso lhe custe dores de cabeça políticas. E tem gente que ainda tem saudade de nosso passado político. Oremos!

Quanto à fundação de um novo partido político, já temos demais. São tantos, que quase inviabilizam nossa democracia. Mas a julgar pela exposição de motivos da criação da nova agremiação, uma coisa já salta aos olhos: a velha máquina de escrever política ainda tem muitos defensores. A verdade que o diga.

 Ângela Cristina da Rocha Dill - Advogada

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