Economia
Suspeição de Moro abre brecha para o Estado ter de devolver R$ 5 bilhões recuperados pela Lava Jato
Pessoas e empresas podem pedir a devolução do dinheiro e indenizações por danos morais e materiais, decorrentes da exposição de seus nomes.
As delações premiadas e os acordos de leniência firmados pela operação Lava Jato com pessoas e empresas envolvidas em corrupção conseguiram recuperar até agora cerca de R$ 5,5 bilhões para os cofres públicos. Parte disso já foi inclusive usada – até mesmo no combate à pandemia de Covid-19. Mas a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira (23), ameaça suspender esses acordos – o que pode obrigar o Estado a ter de devolver o dinheiro.
“Em tese, da maneira como o Supremo se posicionou, todos os julgamentos envolvendo o ex-juiz, e os acordos relacionados a eles, podem ser questionados”, afirma Thiago Sorrentino, professor de Direito do Estado do Ibmec/DF . O julgamento da suspeição de Moro declarou a parcialidade dele apenas no caso do ex-presidente Lula no triplex do Guarujá. Mas vários especialistas em Direito apontam que esse único caso pode ser estendido para toda a Lava Jato e até anulá-la por completo.
“Existe a possibilidade de as pessoas e empresas que firmaram os acordos pedirem a anulação dos acordos”, diz Sorrentino . Além de se basear na decisão do STF, eles podem alegar que foram coagidos a concordar com os termos. “Se as defesas dos envolvidos alegarem que só aceitaram os acordos porque sabiam que não teriam um julgamento justo, podem, sim, solicitar não só a devolução do dinheiro, como indenizações por danos morais e materiais, decorrentes da exposição de seus nomes”.
Sorrentino vê ainda outro risco com a suspeição de Moro. Para os investigadores que atuam em casos de corrupção, o STF dá um recado, diz o professor: “O Supremo está dizendo que não é viável combater a corrupção utilizando esse recurso importante [os acordos de delação e de leniência], porque ele pode ser questionado no futuro. Assim, a polícia perde um instrumento de ação muito importante”.
Rubens Beçak, doutor e livre docente em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), também acredita que a suspeição de Moro abre brecha para questionamentos futuros dos acordos de delação e de leniência.
“A decisão do Supremo desconsidera a heterodoxia da criminalidade atual. Não estamos falando de um roubo, um furto, para o qual existe um objeto físico envolvido. Muitas vezes, a criminalidade do colarinho branco, seja envolvendo empresas ou gente do governo, foge do padrão previsível”, diz Beçak. “[A decisão do STF] seguiu um formalismo excessivo e não mediu as consequências, porque vai fazer com que provavelmente aqueles que foram condenados procurem questionar seus processos. Os acusados podem até solicitar indenizações. Enquanto fica, para o povo, a sensação de que a Justiça não é para todos”.