Economia
Alimentos vão ficar ainda mais caros por causa da seca no Brasil
A falta de chuvas que atinge o campo do Centro-Sul desde 2020 já provocou queda na produção de diversas culturas.
Energia elétrica, combustível, alimentos… o aumento generalizado de preços na economia já apertou muito o orçamento dos brasileiros, que não estão vendo os seus salários acompanharem o ritmo acelerado da inflação.
Com menos renda disponível e desemprego elevado, as famílias já fizeram substituições e diminuíram a qualidade do prato. E a tendência é de que não haja muita trégua nos próximos meses, diante da maior seca no país em 91 anos.
A falta de chuvas que atinge o campo do Centro-Sul desde 2020 já provocou queda na produção de diversas culturas como café, laranja, cana-de-açúcar, milho, carne bovina, feijão, entre outros.
Não bastasse a redução de oferta, o baixo nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas fez com que o governo acionasse as termelétricas, que produzem energia mais cara, elevando, assim, os gastos de produção das fazendas, indústrias e comércios, causando um efeito em cascata em toda a economia.
“Os custos com energia elétrica vão ficar pressionados por um bom tempo, afetando, principalmente a agroindústria, que consome mais energia do que os produtores. Naturalmente, isso vai aparecer no preço final dos produtos”, diz Felippe Serigati, professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A volta das chuvas neste mês deve favorecer culturas que são plantadas agora, como a soja. Mas o nível de precipitação ainda é baixo para encher reservatórios, gerando incertezas para as lavouras que dependem de irrigação, como hortaliças, arroz e feijão.
Veja o impacto da seca e a tendência dos preços em cada alimento
Café pode subir até 40%
O café é uma das culturas que já foi severamente impactada pela seca desde o ano passado. A estiagem nas principais regiões produtoras, como Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, prejudicou a florada e o crescimento dos frutos.
E, em julho, os cafezais sofreram mais um baque com três ondas de geadas. As lavouras atingidas perderam folhas e, em algumas, houve até mesmo morte de plantas.
O resultado será uma produção menor nesta temporada que, naturalmente, seria mais baixa por conta da bienalidade da cultura: ano par é de safra alta, ano ímpar é de safra baixa.
Essa queda de oferta, somada aos custos dos insumos e dólar, deve provocar um aumento de até 40% nos preços do café nos supermercados até o fim do mês de setembro, segundo o diretor-executivo Celírio Inácio, da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
Ele explica que 70% do valor final do produto é definido pela cotação do grão no mercado internacional, que disparou nos últimos dias, puxado, dentre outros fatores, pela redução da oferta no Brasil.
Os custos da indústria com energia elétrica também serão repassados para o preço final do café, mas Inácio ainda não sabe precisar de quanto será.
O café é colhido em meados do ano e, nesses meses de setembro e outubro, a chuva é essencial para o desenvolvimento da florada. “Então é preciso que chova o suficiente para que o produtor tenha uma estimativa sobre a sua produção”, afirma Inácio.
A próxima temporada do café é de safra alta, mas por conta dos problemas climáticos que já ocorreram, essas podem vir menor do que o normal, destaca Renato Garcia Ribeiro, pesquisador da equipe de café do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
“Estamos vindo de um período de 1 a 2 anos com as plantas sofrendo com a seca, uma geada que derrubou bem as folhas e matou algumas plantas. Então, talvez a gente não tenha uma safra de alta tão alta sim”, afirma.
Açúcar em alta
O açúcar que acompanha o cafezinho também deve continuar pesando no bolso do brasileiro. No acumulado de janeiro a agosto, o preço do refinado já subiu 27%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A alta é resultado de uma redução da oferta provocada, em boa parte, por uma seca que atingiu as lavouras de cana de abril de 2020 a meados deste ano, explica Antonio de Padua Rodrigues, diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Somando com as geadas e os incêndios recentes, a expectativa é de que a safra atual tenha uma queda de 75 milhões de toneladas em relação à temporada anterior.
“Se você tem uma redução da oferta, uma quebra agrícola, você impacta preços até um determinado limite, até o incremento da próxima safra que vai acontecer em abril. E aí a gente depende das chuvas que vão ocorrer daqui a até lá”, diz Padua.
“A gente precisa de chuvas de novembro a março, que é o período desenvolvimento da planta, para uma melhora da safra”, acrescenta.
Salada ‘salgada’
O cultivo de hortaliças é muito dependente da irrigação e, por isso, a principal preocupação do setor é se terá água suficiente nos reservatórios até o próximo ano, diz Margarete Boteon, professora e coordenadora do Projeto Hortifruti Brasil, do Cepea.
“Apesar de já ter um efeito da estiagem nas folhosas, cenoura, por exemplo, o mais preocupante é quanto a reserva hídrica a partir de outubro e no primeiro semestre de 2022. O maior limitador é não ter disponibilidade para irrigação”, afirma Margarete.
O déficit hídrico pode gerar redução na oferta de hortaliças, que já foram prejudicadas pelas geadas em julho, provocando aumento de preços. Mas, segundo Margarete, não vai dar para colocar tudo na conta da seca.
“Vamos supor que chova e o preço suba da mesma forma. Isso vai acontecer por uma série de variáveis: geadas, custos de produção em alta – os insumos sofrem a influência do dólar, a própria conta de energia para quem irriga -, a disputa por terras para arrendamento com a cultura de soja”, diz.
Segundo Margarete, o repasse do custo de produção para os preços ao consumidor pode ser limitado, entretanto, pelo orçamento apertado das famílias.
Pasto mais seco
O setor de carnes também precisa que chova para aumentar a qualidade das pastagens que alimentam os bovinos. “A base da alimentação é pasto. Se não chove, eu tenho menos produção de pasto, menos boi gordo para o abate e o preço sobe”, diz Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador da equipe de pecuária do Cepea.
Já faz tempo que o consumidor enfrenta preços altos da carne por conta dessa situação e, segundo Carvalho, não deve ter muita trégua. “Nós já tivemos uma redução da oferta por causa da falta de chuvas desde outubro do ano passado. O primeiro impacto foi a diminuição do boi de pasto. O segundo é o retardamento da engorda dos bezerros que estão desmamando agora”, afirma.
Até os produtores que criam gado em confinamento também enfrentam aumento de custos com o milho e a soja por causa da quebra de safra causada pela seca. Esses grãos viram ração para os animais.
André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, reforça que a tendência para os próximos meses é de mais alta no preço do carne.
Isso deve ser resultado de um verão que tende a ser “pouco chuvoso”, o que reduz ainda mais a qualidade das pastagens, e de um dólar ainda muito valorizado em relação ao real, estimulando aumento da exportação e queda da oferta interna.
Frango e ovos mais caros
O frango e o ovo, que costumam substituir a carne bovina, também ficarão ainda mais caros nos próximos meses.
Nas granjas, o principal fator de pressão continua sendo os altos preços da ração, que representa 75,8% dos custos de produção, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Já os gastos com energia elétrica, usada para aquecer e resfriar os ambientes, representam apenas 1,35% dos custos dos aviários.
“Nas plantas frigoríficas, o custo com energia é maior e já está sendo repassado para os preços [ao consumidor], junto com outros custos: milho, farelo de soja, papelão, diesel”, diz Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Em 12 meses até agosto, o preço nos mercados do frango em pedaços subiu 25%, enquanto os ovos registraram alta de 23%, segundo o IBGE.
Leite depende de energia
A seca também pode aumentar ainda mais os preços do leite por causa da redução da oferta e aumento dos gastos com energia elétrica.
A falta de chuvas tem prejudicado o desenvolvimento da alimentação volumosa do rebanho, que corresponde às gramíneas das pastagens, silos e fenos.
E, assim como na produção de carnes e ovos, produtores convivem preços altos do milho e soja, além da energia elétrica, diz o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges.
“A atividade leiteira utiliza energia elétrica para equipamentos como bombas de água, ordenhadeiras mecânicas, tanques resfriadores de leite, ventiladores, sistemas de irrigação, principalmente nos sistemas com maior tempo confinado ou irrigação”, diz Borges.
Ele afirma que, em algumas propriedades, como as com pastejo rotacionado irrigado, o gasto com energia elétrica pode chegar até 50% do custo total de produção.
Faltou água para o feijão
Os efeitos da crise hídrica ainda não foram totalmente repassados para os preços do feijão, que devem ter aumento daqui até o início de 2022, diz Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão, Pulses e Colheitas Especiais (Ibrafe).
A alta do valor do alimento nos supermercados deve ocorrer por causa de uma queda na oferta da leguminosa em função da seca que atingiu as lavouras. Sem chuvas suficientes desde o ano passado, o desenvolvimento do feijão das 1ª e 2ª safras foi prejudicado, principalmente no Paraná, que é o principal estado produtor do grão.
Além disso, parte dos agricultores desistiram de plantar a 3ª safra entre maio e julho, que depende de 95% de irrigação, por causa da insuficiência de água nos reservatórios.
Para o próximo ano, a Conab prevê um aumento da produção do feijão, mas destaca que a crise hídrica continua sendo um dos principais fatores que podem prejudicar essa estimativa.
A menor oferta já impactou os preços no campo. O valor médio pago ao produtor pela saca de feijão chegou a R$ 288,22 em agosto, alta de 30% contra igual mês de 2020. Até julho do próximo ano, a Conab estima que a saca deve subir mais, para algo em torno de R$ 310,13.
Lüders diz, no entanto, que os custos para produzir também subiram, como a conta de energia (nas áreas irrigadas esse custo pesa mais) e preços de insumos, como fertilizantes e defensivos, que sofrem a influência do dólar.
Segundo ele, consumidor ainda não sentiu totalmente os efeitos da seca nos preços pois há um pico de colheita de feijão nos meses de agosto e setembro. Passados esses meses, os impactos devem começar a aparecer.
“Com as perdas que aconteceram, o mercado, mais do que nunca, tem sido pressionado para manter os preços. Por outro lado, temos uma limitante que é o consumidor”, afirma.
Arroz vai continuar caro
A maioria da produção do arroz é irrigada e, por isso, os custos de produção aumentam com a conta de energia em alta. Os produtores também dependem dos níveis dos reservatórios para definirem a área que será plantada a partir desse mês.
No Rio Grande do Sul, que responde por 70% da produção nacional, os reservatórios ainda não estão 100% e a previsão é de pouca chuva nos próximos dias, diz João Batista Camargo Gomes, diretor comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
“Dois fatores influem diretamente na intenção de plantio. Um deles é a disponibilidade hídrica: o produtor só pode plantar área para a qual tenha água suficiente. Ele não pode arriscar. O outro é o custo de produção, que aumentou muito em relação à safra anterior”, diz Gomes, ressaltando que a área de plantio deve ser ser definida nos próximos dias no estado.
Por outro lado, esses fatores não devem se traduzir em uma disparada de preço tão forte como a do ano passado.
“O preço do arroz deve se estabilizar em torno de R$ 5 o quilo. Não vai subir aos níveis de 2020, mas também não vai baixar”, afirma a diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Andressa Silva.
Ela, que prevê manutenção da área plantada em relação à safra anterior, diz que o preço pago ao produtor pela saca de arroz está, agora, em um nível que consegue remunerá-lo, diferentemente do cenário pré-pandemia.
“O preço do arroz estava defasado há muito tempo e aumentou na pandemia porque importantes países produtores, como a China e a Índia, trancaram as exportações e o Brasil acabou exportando muito. O preço ainda se mantém alto porque a demanda por arroz continua elevada”, explica.